O amor desbasta o ego. Enxuga excessos.
Delata as mínguas. Transforma as mágoas. Destrona arrogâncias e idealizações.
Desmancha certezas e tece oportunidades. Bagunça a autoimagem todinha, piedade
zero, culpa nenhuma. O amor percorre territórios devastados da alma com a calma
necessária para reflorestar um a um. Dissolve neblinas. Revela o sol. Destece
máscaras. Reinaugura a humildade. Faz ventar. Faz chorar. Faz sorrir. Faz
tempestade um monte de vezes pra dizer também céu azul um monte de vezes
depois.
O amor nos ensina a simplificar perdões
porque nos humaniza e nos lembra o quanto precisamos ser igualmente perdoados
por tanta coisa, tanta gente, a começar por nós mesmos. Ele dispensa
julgamentos porque abraça virtudes e limitações. Ele nos aproxima do nosso
tamanho e nos recorda quem somos. O amor nos revista, inteiros, pra retirar
relógios, calculadoras, roteiros, estratégias, controles, defesas; não raro,
escondidíssimos. Diz nas sutilezas. Diz preciosidades que, mesmo às vezes bem baixinho,
conseguimos ouvir e reconhecer, por mais cético e assustado que tenha se
tornado o nosso coração.
O amor nos molda a cada movimento também para
a liberdade de acolher o imprevisível, o inimaginável, o inevitável, o
aprazível. Para querer ser e querer sinceramente que os outros também sejam.
Ele nos torna mais sensíveis à alegria e à dor de toda gente, inclusive,
principalmente, às nossas. Faz com que a gente se sinta parte da família
humana. Conta que aquilo que procuramos, amiúde, num mundaréu de lugares,
esteve o tempo todo, primeiro disponível, onde raramente buscamos.
Reinventa-nos para nos tornar mais parecidos com nós mesmos, o máximo possível
a cada instante. Dia após dia da nossa prática. Com medo e tudo. Com propósito
e também com carinho. Devagarinho.
Ana Jácomo
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