Nossa eterna insatisfação nos leva aonde exatamente?
Casados reclamam porque a aliança pesa;
namorados, porque não vêem mais os amigos; solteiros, porque não têm de quem
receber o último telefonema do dia. Jovens são revoltados por não poderem fazer
nada do que querem; velhos, por não conseguirem. Chefes se estressam porque
vivem sob pressão e subordinados vivem estressados por causa dos chefes. Nunca
estamos satisfeitos. Por mais azul que o céu esteja, sempre achamos - lááá
longe - uma nuvem que virá, sabemos que virá, e cobrirá o nosso sol. E, mesmo
sob 40 graus, passamos a sentir frio. "Nada mais insuportável do que
muitos dias de felicidade contínua" (Oscar Wilde). É bizarro mas real. Não
suportamos a felicidade por muito tempo; tudo fica fácil demais, tranqüilo,
calmo e desde crianças aprendemos que, se algo vale a pena, precisa ser árduo,
trabalhoso, hercúleo (e quanta deprê nos rende essa teoria patética). A
ridícula verdade é que não sabemos lidar com a alegria - a praia eternamente
ensolarada vira um tédio. E então avistamos (ou criamos, não importa) a nuvem.
Li, não lembro onde, que "a vida nos
pareceria subitamente maravilhosa se estivéssemos ameaçados de morrer - então
declararíamos nosso amor, viajaríamos à Índia, realizaríamos nossos sonhos. E
caso o cataclismo não acontecesse, voltaríamos ao cotidiano, no qual a
negligência supera o desejo". (A negligência supera o desejo - preste
atenção nisso, sempre). Nossa eterna insatisfação, em vez de servir de impulso
para nos levar a algum lugar melhor, vira uma âncora, agravando a sensação de impotência,
nos entregando à inércia. Então sucumbimos à preguiça. Passamos a achar que o
normal é estarmos "meia-boca" (não estamos felizes, é certo, mas por
que razão haveríamos de ficar mais tristes?). E daí, quando alguém aparece
sorrindo além do previsto por lei, surtamos. Por que ele ri e nós não? Por que
tantos dentes? Cadê a graça? Viu passarinho verde?
É divertido observar a irritação de alguns
perante a alegria alheia. Olham para aquilo como se estivessem presenciando a
metamorfose do lobisomem de Joanópolis. Quando alguém parece estar contente (e
está), nossa primeira reação é nos compadecermos pela ingenuidade da criatura
sorridente, como se estupidez fosse premissa pra felicidade, e gentileza,
atributo de lobotomizados ou doentes mentais. Nos é tão incutido o conceito de
que os deprimidos, românticos incompreendidos, é que são geniais (toda aquela
profundidade de sentimentos, cenho franzido, etc. e tal) que tendemos a encarar
pessoas alegres como serezinhos sem sal, agüinha morna que nem chá dá pra
fazer... Sai de mim! Se for assim, o Prozac será o responsável pela
não-existência de grandes artistas pelo resto das eras. E eu me alegrarei de
ser absolutamente medíocre e saltitante.
Não vejo nada errado em nunca estarmos
satisfeitos, em desejarmos (há muitos anos alguém me disse que desejos são como
cavalos: não são eles que decidem para onde vamos, mas com eles vamos mais
rápido). O problema reside em ficarmos nos culpando por nunca estarmos
completamente felizes ou acharmos poético arrastar as meias pela casa. O fato é
que "algo sempre nos falta - o que chamamos de Deus, o que chamamos de
amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Para seu próprio bem, guarde esse
recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo"
(Caio Fernando Abreu). Daí, sim, poderemos ser felizes. No início, quando der.
E um dia, quem sabe, a maior parte do tempo.
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